Instituto Entrevista: Marcelo Nisida
Nesta segunda entrevista, o Instituto Guimarães convidou Marcelo Nisida para falar um pouco sobre seu trabalho na Minha Campinas, ONG que facilita mobilizações sociais na cidade de Campinas-SP visando maior participação da população nas tomadas de decisão de interesse público.
Marcelo é formado em Comunicação Social: Habilitação em Midialogia no Instituto de Artes da UNICAMP. É Diretor de Comunicação na Minha Campinas e atua tanto na área de comunicação, como na de mobilização dentro da organização.
A ONG Minha Campinas atua há 3 anos na cidade e já realizou mais de 25 campanhas de mobilização, possibilitando a participação da população em decisões de interesse público que vão de saúde à cultura; de urbanismo a eleições.
Vamos à entrevista.
Instituto Guimarães: Desde sua fundação, em 2015, a Minha Campinas tem atuado com bastante assiduidade e engajamento, de forma a realizar diversas ações sociais com ótimos resultados. Em sua opinião, qual foi a mobilização de 2017 de maior impacto em Campinas?
Marcelo Nisida: O ano de 2017 foi um ano extremamente agitado na cidade. Diversas pautas pulsaram na cidade e, para mim, duas mobilizações se destacaram no ano. Em uma conseguimos uma vitória e na outra não.
Na campanha que - infelizmente - perdemos, pautamos o Plano Diretor, uma das leis mais importantes da cidade que, ao mesmo tempo, é uma das mais desconhecidas. Por isso, batemos muito na tecla da participação popular que, ao nosso ver, foi mascarada pela Prefeitura que fez de tudo para que sua proposta fosse aprovada o mais rápido possível.
Discutimos o aumento da área urbana da cidade. O governo propôs (e aprovou) o aumento dela contrariando tudo que especialistas dizem, inclusive especialistas da própria Prefeitura. O fato é que Campinas tem uma área urbana enorme, com muitos vazios dentro dela, e uma densidade populacional muito baixa. Quanto maior a área, mais escolas, creches, centros de saúde, etc. são necessários por região. Considerando que, do jeito que é hoje, já não damos conta de atender quem precisa, é simples entender que não foi uma escolha estratégica para a população mais necessitada de Campinas.
Apesar de não termos vencido, destaco essa mobilização porque sentimos que conseguimos pautar e expor muita coisa durante o processo. Tanto apontando problemas na condução da Prefeitura, quanto levando o debate para a população que estava no escuro - e isso é fundamental para as próximas vezes. (O Plano Diretor é geralmente discutido de 10 em 10 anos).
A outra campanha que gostaria de destacar é a #IssoÉFeminicídio. Uma campanha que, antes de tudo, levantou o debate da violência contra a mulher e a informação (que muita gente ainda não sabe) de que existe uma qualificação de homicídio chamada Feminicídio, quando uma mulher é assassinada pela condição de ser mulher.
No início do ano passado, uma mãe, seu filho e mais 9 mulheres foram assassinadas na noite do ano novo pelo ex-marido (o qual, após o crime, se suicidou), que deixou claro seu ódio às mulheres em uma carta e em áudios. É assombroso que esse tipo de pensamento ainda exista, mas, infelizmente, ele não é raro. Por isso, pautamos (e continuaremos a pautar) o feminicídio. É necessária uma mudança cultural na nossa sociedade em que o machismo mata todo dia. Tanto é que, mesmo com todas as características do crime, ele foi classificado como homicídio simples.
O que não é visto, não pode ser mudado. Assim, para dar o primeiro passo na mudança dessa realidade pressionamos para que, pelo menos, o crime fosse qualificado como feminicídio. Trouxemos uma delegada exemplo do Piauí, fizemos debates e protestos e, enfim, conseguimos a requalificação do crime. Para melhorar, o delegado responsável ainda enviou uma carta aos seus superiores contando o histórico e a necessidade que a questão de gênero passasse a ter um cuidado maior em todas as investigações do Estado de São Paulo.
Instituto: Como vocês avaliam o alcance/impacto das ações da Minha Campinas?
Marcelo: Nossa razão de ser é que as pessoas participem mais das decisões políticas da cidade que afetam toda a população diariamente. Em 3 anos, nossa rede é formada por 13 mil pessoas que recebem nossos alertas de mobilização por e-mail e (com mais milhares de pessoas que nos seguem nas redes sociais) acompanham o que acontece na cidade através da gente, criamos um site para ajudar os eleitores de Campinas a escolher em quem votar para vereador em 2016 e já tivemos algumas vitórias em mobilizações que criamos e acompanhamos, mas queremos muito mais.
Instituto: Quais, você diria, são as maiores barreiras para a mobilização social em Campinas?
Marcelo: Acho que são três principais desafios que nos acompanham nessa jornada: participação, tecnologia e dinheiro. Primeiro, vivemos uma realidade política tensa, bipolarizada e corrupta. Muita gente não se sente representada pelas instituições tradicionais. A descrença na política é uma faca de dois gumes. Assim, as pessoas podem ficar com muito mais vontade de mudar a realidade ou aderir a uma enorme apatia, que é o que acontece muitas vezes, de que "não tem mais jeito" e "nada adianta".
Em segundo lugar, faz parte da nossa atuação usar muito tecnologias digitais porque elas são um agente fundamental para que as vozes da população se organizem e ajam com grande escala. Entretanto, não podemos esquecer que quem está mais vulnerável na sociedade é justamente quem tem menos acesso à tecnologia digital e internet. Isso porque Campinas é uma das cidades com mais conectividade do Brasil.
Em terceiro lugar, é muito difícil manter nossa atuação. Somos uma equipe enxuta com 5 profissionais pagos e nos viramos do avesso para acompanhar a cidade, comunicar e mobilizar a nossa base de membros. Entendemos como essencial a profissionalização da nossa atuação para que haja um trabalho com qualidade e muito mais engajado. Faz toda a diferença ter um grupo de pessoas dedicado a isso no dia a dia. Inclusive, porque muita gente diz que não teria tempo para acompanhar a cidade sem a nossa ajuda. Mas novamente, voltamos a apatia com tudo que é política e isso envolve doar dinheiro.
Nós não recebemos recursos do governo, de partidos políticos, concessionárias de serviço público e políticos eleitos, apenas de pessoas e empresas que acreditam na nossa atuação e no poder da participação das pessoas e, por enquanto, apesar de termos uma rede de pessoas incríveis apoiando a gente todo mês, ainda não é o bastante para manter nossa operação.
Instituto: Na Minha Campinas, como vocês utilizam a estatística em relação às ações sociais realizadas?
Marcelo: Vejo dois momentos mais presentes da estatística na nossa atuação: no desenvolvimento do nosso trabalho e na fiscalização do poder público. Primeiramente, lidamos diariamente com a comunicação e o comportamento das pessoas. Na escala da cidade e a que queremos atingir, precisamos ter e organizar dados o tempo todo para entender as melhores formas de se comunicar com a nossa base. Por exemplo: qual o melhor assunto para as pessoas abrirem nosso e-mail? Qual o melhor formato de post para comunicarmos um absurdo da cidade? Assim, no geral, tentar entender os melhores caminhos para engajar as pessoas a participarem.
Num segundo momento, um dos nossos princípios de atuação é o embasamento. Procuramos entender ao máximo o assunto antes de lançar uma mobilização. Isso também significa estar atento a dados históricos da Prefeitura para conseguirmos contextualizar com qualidade uma mobilização nos argumentos utilizados e até no pedido a ser feito.
Instituto: Até agora, quais foram os números noticiados mais surpreendentes de 2018 em Campinas?
Marcelo: Creio que neste ano temos dois números surpreendentes. Um é o contínuo aumento dos casos de estupro em Campinas e em que a vítima é vulnerável. Pior ainda é pensar que tanto os dados de estupro, quanto de violência contra a mulher, são enganosos. Sabe-se que muitas vezes essas violências não são contabilizadas por uma série de razões e, assim, dificultam uma correção apropriada.
Outro número importante é pensar na mobilização pelo #FimDoAuxílioMoradia dos magistrados em Campinas. Em todo o Brasil, são R$ 1,6 bilhões por ano apenas para esse benefício, sendo que se trata de uma das categorias mais bem pagas e que, por vezes, tem casa própria e moram na mesma cidade que trabalham. Em Campinas, segundo levantamento da Cidade ON, 93% dos juízes recebem esse benefício.
Instituto: Como parte da ação #FimDoAuxílioMoradia, vocês perguntaram às pessoas em Campinas como elas investiriam melhor esse valor. Quais foram as principais respostas dadas até agora? Essa iniciativa ocorre apenas na cidade de Campinas, ou as outras ONGs dessa rede também participam?
Marcelo: Apesar da crise de representatividade na política e de tantos escândalos de corrupção, vivemos uma vontade coletiva de que não haja impunidade com toda a corrupção do país, o que é ótimo. Mas não podemos falar apenas em cortar e punir as corrupções sem falar também dos diversos privilégios dentro dos três poderes. Por isso, pautamos essa mobilização com mais cinco cidades mobilizadas da nossa rede (Minha Porto Alegre, Minha Jampa, Meu Recife, Meu Rio e Minha Sampa).
Nela, milhares de pessoas enviaram mensagens aos ministros do Supremo pedindo para que revogassem essa decisão. Como uma das táticas para expor esse absurdo, fomos para rua e perguntamos às pessoas qual uso elas achariam melhor para esse recurso. A esmagadora maioria falou de educação, saúde e segurança pública. Seja com mais recursos ou mais equipamentos públicos.
Instituto: Sabemos que 2018 será (e já está sendo) um ano de bastante provação para o Brasil, considerando todo o nosso cenário de dificuldades políticas, eleições, propostas encaminhadas para votação, etc. Quais mudanças vocês esperam colocar em prática esse ano e o que vocês desejam conquistar com elas?
Marcelo: Realmente é um ano de muitas dificuldades. Uma das principais é a desinformação. Temos muita, mas nem sempre sabemos ler, filtrar ou julgá-la. Acho fundamental que estejamos todos atentos às informações enganosas e, no caso dos candidatos e candidatas, a Minha Campinas vai atuar para enriquecer o eleitorado de informações.
Entendemos que a melhor maneira de renovar esse cenário é eleger pessoas que realmente pensem e atuem como as pessoas que votaram. Para isso, vamos criar o Vota SP (seguindo o nosso exemplo de 2016 com o Vota Campinas), um site que dá match entre o eleitor e o candidato ou candidata para a Câmara de Deputados e Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
O eleitorado responde uma série de perguntas que o candidato e a candidata já responderam e o sistema faz um cruzamento para dizer qual deles respondeu mais parecido. Uma maneira de filtrar o mar de nomes e candidaturas existentes para deputado estadual e federal.
Para realizar este projeto, estamos com uma campanha de financiamento coletivo no ar e é no esquema tudo ou nada. Se não atingirmos nossa meta de R$ 30 mil, o dinheiro é devolvido e temos apenas até o início da Copa do Mundo.
Muito Obrigado, Marcelo!
Para conhecer mais sobre o trabalho de Marcelo Nisida e da Minha Campinas, acesse:
Ou entre em contato: E-mail: contato@minhacampinas.org.br;
Telefone: (19) 2515-2252;
[Só] Whatsapp: (19) 99622-9310.